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| Escola Multisseriada - Comunidade do Poção, Ilha de Cotijuba(Pa) |
A importância da existência da Escola em uma comunidade do Campo, é a garantia do acesso à educação à essas comunidades. Mas que educação? Há ainda muitos paradigmas a serem rompidos e um dos maiores desafios é compreender que, essas escolas do campo, especificando as escolas multisseriadas, constituem sua identidade referenciada na precarização do modelo urbano seriado de ensino. A escola do campo deve servir primeiramente à comunidade ao qual está inserida, principalmente no sentido de (re)afirmação da identidade cultural do homem do campo, germinando um sentimento de orgulho em ser do campo, sua terra, seu lugar.
(Re)inventar a escola do campo significa formar cidadão para viver no campo. Ou seja, inverter a lógica de que se estuda para sair do campo, e se estuda de um jeito que permite um depoimento como esse: -"foi na escola onde pela primeira vez senti vergonha de ser da roça."... É comum na cultura urbanocêntrica incutir e disseminar a desvalorização da vida do campo e a escola formal, pautada nestes ideais, contribui para a massificação desse sentimento, contaminando a estrutura familiar rural e empurrando o homem do campo para as cidades, em busca de “condições” de vida melhor. Essa fuga, não passa de uma armadilha do sistema capitalista, que objetiva tão somente a apropriação latifundiária das terras, o aumento de mão de obra barata para o mercado de trabalho e o controle das classes sociais.
Para que possamos lograr um caminho diferente, onde os sujeitos do campo, contextualizando as comunidades rurais-ribeirinhos, que vivem da relação homem-rio, homem-terra, homem-mata, nos fundamentamos na concepção de que a escola do campo tem que ser um lugar onde especialmente as crianças e os jovens possam sentir orgulho desta origem e deste destino; não porque enganados sobre os problemas que existem no campo, mas porque dispostos e preparados para enfrentá-los, coletivamente.
Estigmatizada como fracassada, a realidade das escolas multisseriadas é comum nos 4 cantos do brasil... Instalação predial com inúmeros problemas de infra-estrutura, com telhados quebrados, dificuldades de acesso à comunidade para que a professora possa exercer sua rotina diária, sem material didático, currículo deslocado da realidade local, falta de merenda escolar, falta de gás de cozinha, etc.
Apesar de todas as dificuldades apresentadas, a educação, mesmo que talhada pelos preceitos da educação urbana, seriada, ainda é um dos caminhos que fortalecem a identificação com o lugar e a (re)afirmação da sua cultura.
A formação de sujeitos autônomos, capazes de pensar, de serem criativos, de estabelecerem relações, implica numa ação pedagógica que permita que os sujeitos envolvidos nesse processo possam se experimentar na sua autonomia, na sua liberdade, nas suas habilidades e na (re)construção de conhecimentos.
Afirmo que a escola multisseriada, caracterizada pela sua diversidade e heterogeneidade, é de fundamental importância nesse processo, pois ao garantir o acesso à escolarização no seio da comunidade, possibilita a interação, a construção dessas relações e a convivência com as diferenças, pois mesmo ante a precariedade, assume a responsabilidade da iniciação escolar.
Dessa forma, é urgente a necessidade de mudança na concepção urbanocêntrica vigente nas escolas do campo. Algumas medidas que podem minimizar estas mazelas são: a transgressão do modelo seriado, que impõe a fragmentação em séries anuais, a reestruturação curricular, de forma que seja flexível para atender a realidade de cada contexto, bem como reestruturar o processo de avaliação; Atenção prioritária do Estado, no que tange a precarização da escola; Formação docente continuada; Parcerias com as Universidades, no sentido de ampliar o (re)conhecimento e a importância da Escola do e no Campo, principalmente nos programas curriculares dos cursos de formação de professores.
É um processo complexo, quase um paradoxo, ao mesmo tempo que os movimentos sociais e acadêmicos avançam em uma nova perspectiva de consolidação das políticas publicas de uma educação do, no e para o campo, o sistema utiliza-se das próprias pesquisas publicadas pelos intelectuais da educação do campo para justificar o "fracasso" destas escolas, principalmente no que tange as multisseriadas.
Há muito sou questionado, inclusive por professores doutores da área, o porquê que eu defendo a escola multissérie...é simples, por que fechá-las não é a solução, pelo contrário, apenas instrumentaliza o capital para a nucleação das escolas do campo...
Reafirmo que o modelo multissérie nunca atingirá a realidade do campo, pois está estruturado em um modelo serial urbano, sem respeitar as especificidades do Campo, dos vários "campos".
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| Aula em Classe Multissérie - Cotijuba(Pa) |
O caminho dessa (Re)invenção da escola do Campo, perpassa pela compreensão das suas complexidades e o respeito, acima de tudo, à realidade de cada comunidade. Para isso é fundamental nos apropriarmos das teorias e experiências da educação do campo, objetivando sempre a renovação e ampliação da prática docente e a importância desta escola dentro da própria comunidade, pois somente fechar essas escolas e/ou apenas apontá-las como fracassadas não resolve, apenas agrava ainda mais o problema... problema este que está posto há mais de décadas, precisamos na verdade é sair do campo ideológico e partir para prática, derrubar os muros das universidades e parar de debater apenas em mesas, encontros, simpósios e colóquios da vida e, no dia seguinte, voltar aos muros das lamentações, aos fatalismos que nos imobilizam...A solução não é como um receita de bolo, lutar diariamente é o nosso papel...
"O papel do educador é político, é de ruptura. É compreender que diante das amarras do sistema burocrata, que adoecem o espírito e abastecem os sentimentos fatalistas, nossa ação é de resistência. (Re)existir e (re)começar uma luta que nunca para. Luta que nos alimenta de esperança, de amor, de sentimentos. Sentimentos que transformam a dor e as feridas abertas pelo imobilismo imposto pelo capital, em sede, sede de mudança, sede de transformação. Pois é somente no enfrentamento, na práxis, dialeticamente, dialogicamente, diariamente, que consolidaremos uma educação para a libertação." (DE PAULA, 2013. p.98)


Amigo, texto maravilhoso. Parabéns!!!
ResponderExcluirParticularmente, uma das características mais tristes da educação no campo é justamente a desvalorização deste próprio espaço como fonte e berço da identidade das pessoas que fazem parte dele. É lamentável, é uma agressão cultural, e quiça até física, o que o poder público faz, eliminado as escolas de campo e trazendo-as para as região urbanas, forçando crianças acordarem 3h da madrugada, caminharem longas distâncias, descaracterizando suas identidades campestres, é sofrimento demais para ter acesso ao direito de educação.
É isso minha amiga...o maior absurdo é pensar que para o homem do campo "evoluir", precisa se urbanizar....o grande câncer disso tudo é que a maioria dos teóricos que concebem as políticas publicas, os currículos e etc...são constituídos culturalmente na urbanidade,e a partir disso, compreendem que o verdadeiro padrão de vida é ser "urbano"... Para conceber o ideal de Educação do e no campo, primeiro temos que nos despir de nossas raizes urbanas para podermos compreender e vivenciar a vida rural, assim, podemos nos re-fazer enquanto pessoas e principalmente, enquanto educadores.
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ResponderExcluirÉ amigo, desde que o mundo é mundo o ser urbanizado é o maior detentor dos benefícios sociais, e o pior é que a conscientização da necessidade da educação no/do campo evitaria milhares de mazelas do próprio meio urbano, tipo êxodo rural, super crescimento de populações urbanas etc. E de quebra rsrsrs devolveria a dignidade do homem de ser do campo, sendo assegurado a ele condições dignas de educação. Aí deu tanta saudades dos debates em sala de aula, oh nostalgia ... rsrsr
ResponderExcluirPrimeiramente, gostaria de parabenizá-lo, Professor Paulo de Paulo, pela iniciativa de criar um espaço como este, que possibilita discussões e aprendizados diariamente, dialogicamente e dialeticamente. Importante a iniciativa vindo de vc, pois pelo médio tempo que já nos conhecemos, sei que se trata de um professor amazônida com aguçada sensibilidade e experiências pelos chãos dos campos amazônicos que se encontram em nosso imenso Grão Pará. Minha singela contribuição vem no sentido de reforçar sua fala quando dizes que precisamos desmoronar com os muros da universidade, pois esta que forma inúmeros outros professores, pensadores, pesquisadores, mestres e doutores, dentre os quais alguns daqueles que se especializam de alguma forma no trato com o campo e suas nuances, são seres sociais oriundos de uma cultura majoritariamente urbanocêntrica (como nós também em certa medida somos, Paulo). E o que isso significa? Bem, o simples fato de "não sabermos" nos equilibrar sobre um imenso tronco de buriti que serve de ponte de travessia em determinados trechos de rios nos diversos espaço do campo por esse Pará afora - por exemplo - faz muita diferença. Às vezes saber remar uma canoa com destreza e velocidade pelas "ruas e avenidas aquáticas" é ser tão avançado quanto um trabalhador rodoviário que leva o ônibus em meio a um BRT às avessas, que até agora parece ser de ilusões. Pois bem, ressalto que almejar ser um professor verdadeiramente educador não significa apenas transmitir técnicas e saberes eficazes para a implementação de atitudes inovadas por partes dos educandos, como requisitos básicos para ocupar uma vaga no mercado de trabalho. Mas sobretudo, proporcionar a construção de consciência crítica que propicie a esse educando compreender a verdadeira trama que rege, planeja e controla as relações de poder que impedem a emancipação dos povos em sua realidade local no campo - ou seja, a estrutura política de nossa sociedade. VIDA LONGA À CRITICIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO! Parabéns mais uma vez, professor!
ResponderExcluirAss,: Manoel Silva Júnior